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Mais um trágico acontecimento envolvendo a morte de uma criança inocente chocou o País. É difícil compreender que reflexos são esses, que levam homens, que deveriam prezar pela vida, a cometer barbaridades como a que aconteceu com o menino João, de três anos, morto após ser baleado em suposto tiroteio no Rio de Janeiro.
Mesmo sem aprofundamento é possível encontrar alguns fatores que podem ter como conseqüência a ação desastrosa de alguns policiais. Mal remunerados, carentes de formação e treinamento adequado, alguns agem conforme os impulsos e não conforme as regras. Mesmo assim, nada justifica o injustificável.
Com características que lembram cenas hollywoodianas, com perseguições, tiros e assassinatos, acontecimentos como esses precisam sair do ar. Os números da audiência comprovam que a violência garante bons índices nas novelas, programas televisivos policialescos e também nos filmes. Obras como “Kill Bill”, “Jogos Mortais”, “300 de Esparta”, e tantos outros, são produtos que, de certa forma, elevam a violência ao glamour. Um exemplo curioso é o filme “Tropa de Elite”, onde a abordagem crítica foi entendida por parte do público como glamourização da violência. As denúncias de práticas de tortura, intolerância e truculência geraram identificação. O comportamento reprovável virou modelo e parte dos policiais se identificou e foi identificada como os personagens do filme e passaram a ser considerados heróis por suas atitudes violentas frente aos bandidos, tolerando-se a violência em contraposição à corrupção.
Os policiais que integram a sociedade são pessoas de nosso cotidiano, não personagens de ficção, nem seres de outro planeta ou super-heróis. Não deveriam ser influenciados pela ficção. A triste identificação chegou a ponto de alguns policiais encarnarem personagens do filme, e até adotarem o tema musical do “Tropa de Elite” como hino em seus telefones celulares.
No entanto, mesmo curiosa para assistir, a distância, nas telas da TV ou do cinema, a sociedade choca-se diante de tanta brutalidade e é estranho observar a contradição de reações provocadas pela banalização da violência. Os mesmos espectadores que se revoltam com situações reais de crueldade aplaudem a violência nos filmes e novelas e esta precisa ser rejeitada, em todas as suas manifestações, não só quando as vítimas são brancas ou bem nascidas, mas também quando o infortúnio atinge os negros e os desvalidos. Chega de hipocrisia!
Muitas vezes, a televisão e o cinema transformam a violência em um produto para gerar lucro; afinal, ela está cada vez mais presente na programação de entretenimento e também nas coberturas jornalísticas. Tenho certeza de que a mídia tem condições de cumprir seu papel social com responsabilidade ao abordar a violência.
Por outro lado, retratar formas de combate à violência é um produto que fica encalhado nos estoques das redes de televisão, porque muitas vezes não é comercial e, portanto, não dá audiência. Mas se crimes são exibidos, faz-se extremamente necessário mostrar as ações do Governo para o enfrentamento à violência e para a promoção de uma cultura de paz. Destaco de forma especial o trabalho do Ministério da Justiça junto ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que tem por metas promover a segurança e combater as causas da violência e não apenas suas conseqüências, sob enfoque essencialmente preventivo, buscando maior e melhor capacitação dos policiais, inclusive com a formação em universidades de Polícia.
Uma outra ação preventiva relevante é a Classificação Indicativa de obras audiovisuais, feita pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus), da Secretaria Nacional de Justiça, que informa sobre conteúdos das obras audiovisuais e visa proteger crianças e adolescentes de conteúdos inadequados à sua faixa etária. Sabemos que a televisão é, muitas vezes, a única janela que os cidadãos, principalmente os menos favorecidos, têm para entrar em contato com o mundo e que serve de inspiração (nem sempre positiva) para seus comportamentos.
Não é possível negar que o Brasil vive uma realidade violenta, mas a mídia não é mero espelho desta realidade, afinal, a repetição e o destaque sensacionalista ao ato violento pode potencializar seus efeitos a ponto de criar novas vítimas entre seus espectadores. Por outro lado, não é difícil imaginar que também seria possível o contrário, influenciar de forma positiva os cidadãos, a partir da valorização das boas ações feitas pelo Governo e sociedade.
Para encerrar o artigo, mas não a reflexão, faço uma ponderação. Muitos cineastas e diretores falam que apenas retratam em suas obras a realidade vivida por milhares de indivíduos. Está certo. Porém, é relevante esclarecer que se a arte imita a vida em algumas situações, definitivamente em muitos aspectos a vida não pode e nem deve imitar a arte.
* Romeu Tuma Júnior é Secretário Nacional de Justiça