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A população egípcia se rebelou por causa da falta de perspectiva de uma vida digna, de emprego, saúde, educação. Também não suportava mais a permanência de um déspota no poder. Foi às ruas e fez sua revolução. E continua fazendo. “Está em curso um revolução, mas o caráter não está claro se ela vai democrático-popular ou se terá outra característica”, explica o sociólogo e arabista Lejeune Mirhan.
Parece que isso vem ocorrendo. No dia 14, logo após o exército ter evacuado a Praça Tahir, principal palco das manifestações que clamavam a renúncia de Hosni Mubarak, cerca de 2 mil trabalhadores, entre bancários, policiais e funcionários da indústria do turismo e do transporte, marcharam reivindicando melhores salários.
Para o sociólogo estadunidense de família egípcia, Alexander Hanna, que retornou do Cairo para os Estados Unidos no dia 13, apesar da ausência de direção central no movimento, o país vive uma espécie de “efervescência coletiva”, que pode levar a população a outros avanços, extrapolando o campo político-institucional em direção a mudanças econômicas e sociais.
Assim enxerga a historiadora Arlene Clemesha, professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, parece claro que há setores que não vão parar por aqui. “As reivindicações ainda não foram atendidas”, afirma.
O bacharel em relações internacionais, Fernando Bissacot, teve a mesma impressão. Ele permaneceu na cidade de Cairo por três meses e retornou ao Brasil no dia 11. Após testemunhar os protestos, ele chegou à conclusão que um grande desafio para o futuro da revolução será exatamente com relação à canalização das expectativas populares de maneira organizada, “capaz de exercer uma força política de caráter nacional”.
Provisório?
Já nesse momento de transição é possível organizar essas expectativas, de acordo com Alexander Hanna, que também é graduando da Universidade de Wisconsin-Madison e pesquisador de movimentos sociais e mídia social. Para ele, enquanto os aspectos da nova constituição forem escritos para “salvaguardar o espírito do movimento”, o declínio de poder democrático pode ser evitado. “Claro, nenhum documento é 100% invulnerável a abusos. Posso parecer ingênuo aqui, mas acredito que as pessoas descobriram que elas têm poder coletivo e que quando chegar a hora de começar a redigir a constituição, delegados e representantes para esse processo ele vai em geral refletir a vontade do povo”, afirma.
Mas agora, já no processo de redigir as mudanças na Constituição, aparecem entraves. No dia 13, o Exército anunciou que havia dissolvido o Parlamento e suspendido a Constituição, e que governará o país durante seis meses ou até que eleições possam ser realizadas. O conselho da junta militar, porém, não dava detalhes sobre se haverá participação de civis ou de outros grupos na alteração da Constituição durante a transição. Nada foi dito também sobre o fim da Lei de Emergência que vigora há 30 anos no país. “A população, com comitês, tem sustentado a necessidade de um governo de transição, com o exército e a presença de alguns representantes civis. A situação, contudo, não está indicando que o exército vá atender a essa exigência”, critica Clemesha.
Fé
No momento, a situação política no Egito é contraditória. Como conta Arlene Clemesha, o exército tem um história de participação em guerras como as de 1956, 1967, 1973. Além disso, “nessa revolta popular, o exército foi simpático à população, juntando-se a ela, tirando fardas, se recusando a reprimir”, lembra.
Assim também pensa Alexander Hanna. “As pessoas parecem ter fé nos militares”, afirma. Ele lembra de uma palavra de ordem nos 18 dias de manifestações ocorridas a partir de 25 de janeiro e que levaram à queda de Mubarak: “O povo e o exército são uma mão”. Essa palavra de ordem, segundo Hanna, é estratégica. Pode funcionar, de acordo com ele, como um tipo de defesa, de compromisso, de respeito à cumplicidade, caso o exército venha, a partir de agora, responder às futuras manifestações com violência.
Fato é que as forças armadas assumiram o poder e já corre pelos jornais de todo o mundo que foram eles que forçaram a saída de Mubarak. Agora, emerge a seguinte pergunta: a transição para a democracia ocorrerá, também, entre os limites democráticos? “O perigo é que o exército conduza essa transição de forma a não permitir muita abertura. Isso é o que se teme”, pondera a historiadora Arlene Clemesha. (Colaboraram Renato Godoy de Toledo e Luís Brasilino)
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