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Por Manuela Sisa de Caracas (Venezuela)
Após o surpreendente retorno do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao país, o futuro político ainda é marcado por incertezas: a saúde do líder venezuelano lhe permitirá enfrentar a campanha para a reeleição presidencial em 2012?
Chávez teve de ser submetido a uma cirurgia de emergência para retirada de um tumor cancerígeno na região pélvica. Permaneceu internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) durante quatro dias em um hospital cubano e em tratamento durante quase um mês na ilha. Durante este período, governo e oposição perderam o “rumo”, evidenciando a “chávez-dependência” predominante na política venezuelana.
A enfermidade que abalou a saúde do presidente, visto por aliados e adversários como “imbatível”, revelou o grau de dependência do processo político venezuelano na fi gura presidencial. “A dependência em só uma pessoa de um processo revolucionário é em si mesma, um elemento contraditório”, afirmou ao Brasil de Fato o sociólogo Nicmer Evans, professor da Universidade Central da Venezuela. “O processo revolucionário não se preocupou em pensar a médio e longo prazo no futuro da revolução em uma era pós-Chávez”, acrescentou.
Ao retornar a Caracas, Chávez revelou ter vivido “dias difíceis”. Advertiu que continua “batalhando” contra o câncer e que seu retorno ainda não podia ser visto como uma vitória. “Juro que ganharemos essa batalha”, afirmou o presidente, diante de milhares de seguidores, dia 4, em frente ao “Balcón del Pueblo”, varanda do palácio presidencial em Caracas.
A comoção vista com seu retorno era comparável a um dia de celebração de uma vitória eleitoral. “Ele é o líder dessa revolução, não podemos ficar sem ele”, afi rmou ao Brasil de Fato a trabalhadora informal Climeya Quintero minutos depois da reaparição do presidente na sede do governo. “Agora ele tem que descansar tranquilo, nós ficamos aqui vigilantes, cuidando da revolução e trabalhando para que continue avançando”, disse o estudante Johny Becerra.
Campanha
Não há informação ofi cial sobre a gravidade do câncer nem o local onde o tumor se alojara. Ao retornar, o presidente prometeu seguir com “disciplina de cadete” o tratamento que inclui dieta alimentar, medicamentos e repouso. “Temos que tirar proveito dessa emboscada da vida para a reflexão, para incrementar a vontade de luta e de vitória”, disse Chávez, enquanto fazia exercícios acompanhado de parte do gabinete.
A dúvida, no entanto, é se Hugo Chávez se recuperará a tempo para enfrentar a decisiva campanha presidencial de 2012. “O futuro da revolução agora não depende somente da resposta do governo para solucionar a crise habitacional e sim se Chávez se recuperará ou não”, disse à nossa reportagem um membro do governo.
Há três possíveis variáveis eleitorais no campo chavista. A recuperação total do presidente, o que tende a alavancar sua campanha. “Sua candidatura e popularidade se fortalecerá entre a população, mas ainda não se pode afirmar se terá condições ou não de enfrentar a campanha”, afirmou o cientista político Orlando Yajure, professor da Universidade Central da Venezuela.
Outro cenário é que, mesmo doente, Chávez assuma a campanha, com um ritmo de corpo a corpo junto ao eleitorado menor que o habitual. Outra variável, até agora negada pelo governo, é que Chávez não tenha condições de assumir a candidatura. Se isso ocorrer, o presidente venezuelano terá de eleger, em coletivo ou individualmente, seu sucessor. “Caso Chávez não se apresente (à reeleição) qualquer sucessor carecerá, assim como o candidato da oposição, das características carismáticas do presidente”, afirmou a socióloga Mariclen Stelling. “Uma liderança assim acontece a cada não sei quantos anos, não se compra na farmácia, não é endossável”, acrescentou Stelling.
Nas últimas semanas, ventilou-se nos corredores de Miraflores de que a disputa interna pela sucessão se incrementava dia a dia. O vice-presidente Elias Jaua – visto como a ala esquerda do chavismo – se tornou o principal alvo de ataques da chamada “direita endógena”. Jaua, de 43 anos, esteve à frente do governo durante a ausência do presidente Chávez. Havia rumores de que a Cúpula Militar também seria substituída. No dia 5, durante celebrações do bicentenário da Independência, Chávez disse que o desafio para o país era “vencer as divisões e conspirações, derrotando em mil batalhas aqueles que pretendem, de dentro e de fora, debilitar e trazer abaixo a pátria e sua independência”, disse Chávez, sem mencionar a quem enviara o recado. Dias depois, o presidente mudou o tom e anunciou que não haveria mudanças no gabinete.
“Disseram que há divisão no governo, disputas (…); pois ratifico (o vice-presidente) Elias Jaua e estendo o tempo de serviço, ilimitado, a todos (do gabinete)”, disse o presidente venezuelano em reunião de conselho de ministros, transmitida pela TV estatal, dia 7. “Todos (os ministros) estão ratificados por tempo prolongado”, acrescentou.
Três grupos majoritários sustentam a coalizão chavista. O núcleo de esquerda, o militar e o reformista. “Chávez é quem garante a unidade entre esses grupos”, afirmou ao Brasil de Fato o cientista político Orlando Yajure, professor da Universidade Central da Venezuela.
Para Mariclen Stelling, a repentina doença do presidente permitiu a Chávez armar uma espécie de “laboratório” que lhe permitiu ver como atuaram seus aliados e opositores, diante da crise. “Agora ele deve estar avaliando o que aconteceu e como se soltaram os demônios em ambos lados”, disse.