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O teleatendimento é considerado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a principal porta de entrada de jovens no mercado formal de trabalho. O setor apresenta um crescimento anual de mais de 10% e as estimativas indicam que, ao final de 2010, trabalhadores de call center, de serviços de atendimento ao cliente e operadores de telemarketing somarão 1 milhão de pessoas. Muitos estudos, no entanto, mostram que as pressões vividas por esses profissionais têm resultado em altos índices de desgaste físico e mental.
De acordo com a Fundacentro, entidade governamental ligada ao MTE que atua em pesquisas científicas e tecnológicas relacionadas à segurança e à saúde do trabalhador, as pressões no ambiente de trabalho dos teleatendentes podem comprometer, além de músculos, articulações, fala e audição, o desenvolvimento da inteligência, da emoção e da sociabilidade. O excesso de atividades repetitivas, a busca incessante pelo alcance de metas e a encruzilhada entre o cliente e a empresa são as maiores reclamações de quem trabalha na área.
Os teleatendentes, além de executarem atividades de repetição, precisam seguir a risca um script determinado ao falar com o cliente e costumam ser rigidamente monitorados, já que todas as conversas são gravadas. O problema é que as relações de causa e efeito na saúde não são tão óbvias e de identificação imediata como, por exemplo, no caso de quem mexe com substâncias tóxicas. Algumas vezes o sofrimento ao qual estão submetidos não é nem mesmo encarado como um problema.
A profissão é regida pela Norma Regulamentadora 17 (NR 17), que estabelece parâmetros mínimos capazes de proporcionar conforto, segurança, saúde e desempenho eficiente. Por exemplo, o mobiliário deve permitir variações posturais, as bancadas devem ter largura e profundidade suficientes para proporcionar conforto e movimentação necessários, os mouses devem estar apoiados na mesma superfície dos teclados. Além disso, os conjuntos de microfone e fones de ouvido (head-sets) que permitem ao operador alternar o uso das orelhas têm que ser individuais, fornecidos gratuitamente e devem ser implementados também projetos adequados de climatização e acústica dos ambientes.
Segundo o item 5.3 da NR 17, “o tempo de trabalho em efetiva atividade de teleatendimento é de, no máximo, seis horas diárias, nele incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração”. Essas pausas devem ser concedidas em dois períodos de dez minutos. De acordo com o Artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em caso de prorrogação do horário normal será obrigatório um descanso mínimo de 15 minutos antes do retorno às atividades.
O fato é que muitas empresas não têm respeitado essas normas, e as reclamações só fazem crescer. Maria (nome fictício), por exemplo, trabalha há um ano e meio na VLM, empresa de assessoria de cobranças que presta serviços para Banco Real, Santander, Citibank e Itaú, dentre outros clientes, e, em consequência do esforço repetitivo, sofre de uma tendinite crônica no braço. Algumas vezes precisa de dispensa médica porque não consegue trabalhar em função das dores.
Mesmo levando atestados, alega que, quando retorna ao trabalho, é assediada moralmente por seu superior. A atendente diz que tem andado muito nervosa e estressada, além de estar sentindo dificuldades para dormir.
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT-PE) realizou uma audiência para propor soluções aos problemas ergonômicos da VLM, adequação das jornadas de trabalho e metragem adequada do espaço por pessoa. A empresa afirmou, através do advogado Jorge Ramos, já ter cumprindo tudo o que foi pedido e que a VLM só se negou a assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por não reconhecer o trabalho da empresa como call center. A VLM alegou ainda que “existe há 12 anos, não faz nada fora da lei e não pratica restrição aos funcionários por doença”.
Dores
Fernanda Cristina Ribeiro está afastada da CSU CardSystem desde 2008. Ela começou a sentir fortes dores na articulação que liga o osso temporal do crânio à mandíbula. Depois de muitos exames, Fernanda descobriu, através de um dentista bucomaxilo, que tinha distúrbio temporomandibular (DTM). Segundo a teleatendente, o médico da empresa não soube diagnosticar o problema e confessou desconhecer a ligação entre a fala excessiva e a disfunção.
Fernanda Cristina Ribeiro está afastada da CSU CardSystem desde 2008. Ela começou a sentir fortes dores na articulação que liga o osso temporal do crânio à mandíbula. Depois de muitos exames, Fernanda descobriu, através de um dentista bucomaxilo, que tinha distúrbio temporomandibular (DTM). Segundo a teleatendente, o médico da empresa não soube diagnosticar o problema e confessou desconhecer a ligação entre a fala excessiva e a disfunção.
O cirurgião bucomaxilo facial do Hospital Getúlio Vargas, Oswaldo Cruz e Imip, Rômulo Valente, garante que já atendeu muita gente do ramo de telefonia com esse mesmo problema. “Já vi várias pessoas terem que largar o emprego por causa da DTM, que pode ser um problema ocupacional e tem como principal causa o excesso de abertura e fechamento da boca e o uso de head-sets apertados”, comprova Valente. “O problema pode ser agravado pelo estresse e pela ansiedade”, acrescenta.
Fernanda só conseguiu o afastamento da CSU porque resolveu prestar queixa na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE-PE). Ela diz que a empresa se negou, por muito tempo, a conceder o afastamento e atestar o auxílio acidentário, em vez do auxílio por doença comum, pela Previdência Social.
A empresa se restringiu a enviar à reportagem do JC uma nota informando que “a CSU tem como sindicato representativo da categoria de seus funcionários o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoramento, Perícia, Pesquisa e Informação no Estado de Pernambuco (Sitappi-PE) e entende como correta sua manutenção”. Detalhe: é a mesma nota enviada como resposta à denúncia publicada do JC, no dia 29 de setembro, sobre a vinculação irregular da empresa com o Sintappi. No Estado, quem deve representar a categoria é o Sinttel.
Muitas empresas costumam até mesmo controlar o tempo de ida ao banheiro dos funcionários. Geralmente são 5 minutos, no máximo e apenas uma vez durante toda a carga do dia. Para o auditor fiscal do trabalho e coordenador da Comissão Regional de Igualdade, Oportunidade e Combate à Discriminação da SRTE-PE, mesmo quando a empresa não restringe as idas ao banheiro, ela cria mecanismos para que o funcionário não se ausente de sua bancada. Ele diz conhecer um caso em que uma gestante era discriminada pelas idas constantes ao banheiro. “O teleatendimento é um dos setores em que a estrutura institucional é mais precária. Há muito assédio moral e desrespeito. As empresas, inclusive, não cumprem a cota de 5% das vagas para deficientes”, comenta o auditor.
“O empregador tem o direito de coibir os abusos dos funcionários, mas não pode impor condições fisiológicas”, argumenta a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra), Luciana Paula Confort. Na opinião do vice-presidente da Amatra, André Luiz Machado, a situação é até contraditória, pois as próprias empresas muitas vezes recomendam que os teleatendentes tenham água sempre por perto para umedecer a garganta e evitar problemas de saúde.