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A cobertura do Pan e a censura da Globo
- 19/10/2011
| - Mariana
Martins*- Observatório
do Direito à Comunicação - Observatório
Desde o último dia 14, quando teve início os jogos Pan-Americanos de
Guadalajara, os brasileiros passaram a ser reféns de uma disputa que já se
desenhava há algum tempo. Quando a Rede Globo perdeu para a sua principal
concorrente, a Rede Record, os direitos de exclusividade nas transmissões do
Pan, os temas relacionados à competição passaram a ser tratados como tabus pela
emissora, que agora, durante o evento, faz questão de não se referir às
conquistas do Brasil. Nas poucas vezes que noticiou o evento, usou de forma
indevida as imagens, retirando a logomarca da emissora detentora dos direitos de
transmissão.
Vale aqui deixar claro que o problema que envolve a atual cobertura do
Pan-Americano de Guadalajara não é apenas uma questão de disputa comercial entre
as emissoras. A ridícula cobertura do evento feita pelo maior conglomerado de
mídia do país, além de um atentado à inteligência do público e um desrespeito
descomunal a sua necessidade de informação, é também um atentado à legislação
nacional.
Graças a um forte movimento nacional que luta pela democratização da
comunicação no Brasil, que discute atualmente um novo marco regulatório para as
comunicações e que foi responsável pela realização da I Conferência Nacional de
Comunicação, em 2009, torna-se cada vez mais conhecida a condição de
concessionária, permissionárias ou autorizadas de serviço público de que gozam
as emissoras de rádio de televisão do país. E não de donas. Mas isso precisa
ficar ainda mais claro para um maior número de pessoas para que toda população
saiba que quando questionamos a cobertura do Pan pela Rede Globo estamos falando
não somente de uma opção da emissora pela omissão, mas de uma violação do
direito à informação, garantido pelo artigo 5° da Constituição Federal
Brasileira.
Televisão é concessão pública
A exploração dos serviços
de radiodifusão, como são conhecidas as transmissões de rádio e televisão, são
outorgadas pelo governo por meio de concessões, permissões e autorizações para
transmissão dos sinais que dão origem às imagens e sons que recebemos de
veículos de comunicação. Ser concessionário, permissionário ou autorizado dá
direito a um determinado grupo transmitir informações e entretenimento à
população, e prevê alguns deveres.
A Constituição Brasileira atribui ao acesso à informação a condição de
direito, e uma das formas de garantir esse direito é por meio dos meios de
comunicação. Empresários, imbuídos de uma responsabilidade pública de prestar,
dentre outros serviços, o da informação, concorrem a concessões de meios de
comunicação. Como não poderia ser diferente, ao receberam as outorgas empresas
ou grupos econômicos devem cumprir preceitos constitucionais e obrigações
legais.
Entre os deveres estabelecidos pela Constituição para os prestadores dos
serviços de comunicação estão alguns princípios como os de cumprir com “as
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação” bem
como “promover a cultura nacional”. A discussão sobre os direitos de transmissão
de eventos esportivos não retira das emissoras o dever de prestar informação ao
público, mesmo quando a emissora não é a detentora dos direitos de transmissão
de tais eventos. Desde que sejam de interesse público está mantida a
obrigatoriedade, ou seja, o respeito com o público.
O que a Rede Globo vem fazendo com os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara
constitui violação também do artigo 220 da Constituição Federal, que abre na
Carta o capítulo da Comunicação Social e que diz ser “vedada toda e qualquer
censura de natureza política, ideológica e artística”. Ao contrário do prega em
seus manuais e editoriais, a Globo é hoje uma promotora da censura, não da
censura oficial e de governo que ela tanto se diz contrária, mas a censura
interna, dos veículos, dos grupos, a censura que é ideológica, política e
econômica. Assusta ver os profissionais deste conglomerado serem expostos a isso
e se calarem. Não dá para dizer que eles não sabem que esta postura se volta
contra o direito que eles deveriam ter garantido de exercer livremente a sua
profissão, para cumprir com o seu dever.
É revoltante saber que este mesmo grupo daqui a muito pouco vai tentar taxar
de censura – como já vem fazendo com o projeto – uma possível regulação da
comunicação. Uma regulação, que ao contrário do que a Rede Globo faz questão de
repassar para seus telespectadores, quer justamente criar mecanismos para que a
Constituição seja, de fato, cumprida e que situações como estas de violações
claras possam ser, de fato, punidas. Os meios de comunicação devem lembrar, e
toda a sociedade deve saber, que quem não cumpre com seus deveres de
concessionário de um serviço público deve responder por isso. Seja uma escola
que não cumpre com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, seja um
grupo de mídia que não cumpre com o seu dever de informar. E é com essa
cobertura do Pan que a Rede Globo evidencia a sua condição de grande censora e
violadora do direito à informação e denuncia ainda o porquê do seu medo de uma
regulação atualizada e decente. Quem pratica a censura tem como característica
ditar as suas próprias leis e não ser guiado ou regulado pelos interesses
público.
* é jornalista, professora de Ética e de Legislação e Direito à
Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da UnB. Membro do Laboratório de Políticas de
Comunicação e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.